O Protofonia é um fabuloso Trio de Brasília, formado em 2007 que lançou o seu primeiro álbum em 2013, no qual ainda não mostrava todo o seu potencial, que já aparece neste “A Consciência do Átomo”, com produção de Pedro Baldanza do Som Nosso de Cada Dia e lançado originalmente em LP em 2015 e em formato digital e CD em 2016.
O título do álbum do Protofonia vêm de um livro de Alice Bailey de 1922, uma escritora inglesa ligada à teosofia de Helena Blavatsky, apresentando uma abordagem sobre física quântica e espiritualidade, cuja influencia sobre a música do Protofonia é definida desta forma pelos músicos do grupo: “a grosso modo, absorvemos a energia das palavras que consiste nesse lado cósmico, justamente para sintetizar do âmago, essa tal consciência para uma forma mais musical”
Fazem parte do grupo Protofonia: André Chayb (guitarra, theremin, ruídos, voz, sintetizadores), Janari Coelho (bateria, percussão, paisagens e intervenções sonoras, ruídos, voz) e André Gurgel (baixo, voz, ruídos, kazoo) e as influencias do grupo vêm do jazz, blues, rock progressivo, musica brasileira,improvisação livre, música erudita contemporânea e eletroacústica, tudo com muito experimentalismo.
O Protofonia desenvolve músicas instrumentais de sua autoria, muitas vindas à luz nos próprios ensaios exaustivos e em apresentações, sendo que no desenvolvimento de seus temas sempre há espaço para a explosão e o silencio, com a criação de cores e texturas imprevisíveis, uma musica a qual definem como “Tarja Preta”.
Em conversas que tive com Janari percebi a tendência ao perfeccionismo e à uma saudável insatisfação com o material já produzido, sempre em busca de algo novo e instigante, uma característica muito presente nos grupos alemães da década de 70, no desenvolvimento do progressivo, que frequentemente tinham idéias para os álbuns em suas apresentações.
Em uma entrevista concedida à Jéssica Beleza para “Passagem do Som” Pedro Baldanza os define muito bem: “Os meninos têm uma pegada progressiva muito forte, muito evidente, e o que eu senti quando escutei pela primeira vez é que precisavam apenas de direção, porque a música do Protofonia era maravilhosa. O trabalho desse disco foi super gostoso, eu vim pra cá (Brasília) e fiz umas edições nos arranjos deles nos ensaios e chegamos a um resultado maravilhoso”.
“Acho que fazem uma música que eu considero uma coisa de elite no Brasil, é música progressiva brasileira, não é “rock progressivo”, porque caminham por vários elementos brasileiros e trazem na cultura da música deles um apelo social e político muito forte que se evidencia inclusive no próprio nome das canções e nas ideias que têm dos momentos que estamos vivendo. É uma forma muito interessante de projetar todo esse processo que estamos vivendo aqui num contexto musical, sem palavras, sem blá, blá, blá.”
O Protofonia consegue ser inovador em muitas outros detalhes de sua produção além da musica em si, demonstram uma preocupação até mesmo em relação à mídia e as capas e conteúdo oferecido ao seu público.
Resolveram primeiro lançar o trabalho em vinil sem menosprezar no entanto o formato digital e o CD apresentando certas peculiaridades para cada uma das mídias físicas: uma musica extra diferente para o LP e o CD, sendo a deste uma obra prima da musica progressiva.
Um excelente trabalho gráfico de Eduardo Belga, no qual o CD apresenta uma capa alternativa, com ótimos e exaustivos textos sobre o trabalho em todas as edições e masterizações diversas para cada formato.
Observemos um pouco do processo criativo do Protofonia: “Ambas Dúbias”, “Freevo” e “3 Sonetos Simbolistas” já existiam quando acabaram de gravar o primeiro disco mas sentiam a necessidade de um maior desenvolvimento nas idéias e nos arranjos. “Ambas Dúbias” e “Freevo” surgiram em apenas uma sessão.
A primeira ganhou vida a partir de um tema criado no baixo, ao qual se juntou uma outra idéia de Chayb e um interessante desenvolvimento rítmico, por isto o nome com mais de um sentido e um significado, porém só foi terminada vários meses após com a brilhante contribuição de Lelo Nazário, ídolo de todos, que foi apresentado por Marcelo Bacha, e que gravou a sua participação em seu próprio estúdio.
2014 foi um ano de transformação para o Protofonia após o contato inicial com Pedro Baldanza e longas conversas que resultaram na ida dele à Brasília e à resultados inusitados em estúdio.
Talvez não seja demais afirmar que a presença de Pedro tenha sido equivalente ao impacto da influencia de George Martin no som dos Beatles.
Foi em “Freevo” a decisão de incorporar de vez elementos de musica brasileira já com a presença em estúdio de Pedro e à novas formas de organizar a gravação que por sugestão dele foi totalmente regravada em Overdubs.
“3 Sonetos Simbolistas” começou com 3 temas de Improvisação Livre nas apresentações. O Protofonia estava mergulhado em uma onda de musica livre e estes temas começaram a se desenvolver desta forma até se transformarem em um único tema com 3 distintas partes e foi então que algo mágico aconteceu!
Marcelo Lafaro, acompanhado do velho parceiro deles, Tiago Rabelo apareceu no estúdio com instrumentos que ele mesmo cria e à partir de uma improvisação de Pedro na Kalimba os outros se juntaram em diversos instrumentos como tank drums e auto harp e conseguiram criar algo surpreendente que preencheu os espaços vazios na composição.
“Churrasco na Casa do Bigode” começou como um choro e um improviso livre e foi composta pensando no mestre Nivaldo Ornellas, que até ouviu, mas foi um outro amigo e musico brasiliense, Raildo Ratho, que apareceu para colocar o sax na gravação e que fez a musica ficar muito melhor.
“A Consciência do Átomo” foi composta por todos solfejando as partes, tocando, mudando e improvisando: uma música que fecha o disco na intensão de soarem Caos e Harmonia juntos, um universo que rege a verdadeira Consciência do Átomo.
“Ventos Quânticos” surgiu de um tema apresentado por Pedro ao violão, uma progressão de acordes muito interessante, desenvolvida por todos seguindo orientação dele.
Com “Politica” ouvimos sons de circo, crianças gritando “politica”, uma alusão ao tempo que estamos passando que realmente não passa de um grande circo em que pensando bem, nós o povo, não passamos de palhaços.
“12 Doces Tenras Fêmeas” é um blues serial, existe um enigma neste nome relativo à esta forma musical.
A musica que abre o álbum do Protofonia e a mais voltada ao progressivo clássico é “Bla Bla Bla” e segundo Janari foi a ultima a ser composta. Um pouco diferente do clima “Tarja Preta” que permeia o álbum.
Começou com um arranjo de voz de André Chayb. Por algum tempo pensaram nas palavras até chegarem á conclusão que o Bla Bla Bla sintetizava a idéia do poder em todos os seus aspectos, e o sarcasmo em relação à isto. Janari disse que não são cantores, mas como bem disse Demétrio Stratos: “Todo mundo pode cantar”, e no caso deles, o uso da voz funciona como um instrumento adicional.
O começo da musica é impactante e o que se ouve nos remete a Gentle Giant seguido por um arranjo de teclados de muito bom gosto que lembra demais o melhor do Prog Italiano (talvez PFM), na sequência podemos ouvir um belo arranjo vocal e um excepcional solo de guitarra, um começo apoteótico que sinaliza tudo o que virá pela frente.
Mesmo com toda esta maravilhosa musica a mais surpreendente de todas é a bônus presente no CD e que também foi lançada em formato digital, Blavatskundum! É por esta música que podemos ter uma idéia do que virá no próximo álbum. É uma obra prima da Musica Progressiva Brasileira!
Começa com um fantástico trabalho de Percussão que remete à Varese com um desenvolvimento de musica brasileira, lembrando algo de Hermeto Pascoal e Airto Moreira, em variações rítmicas e harmônicas impressionantes, algumas bem características do progressivo e de grupos como o King Crimson.
Há uma fusão impressionante de elementos em que o Contemporâneo se mescla à Musica Brasileira e à improvisação livre e inesperadamente 3 textos diversos narrados pelos três músicos ao mesmo tempo antecedem o final em que o experimentalismo e a musica eletrônica em um crescendo se unem à temática brasileira.
Mais uma vez o Protofonia nos surpreende oferecendo uma versão digital desta musica dividida em sete partes. Isto é pura musica progressiva brasileira sem barreiras e do mais alto nível.
Em sua primeira apresentação fora de Brasília, no Totem Prog Festival que aconteceu na cidade de São Paulo em 11 de Março de 2017, mais uma vez o Protofonia demonstrou a qualidade e o impacto que a sua música pode produzir mesmo em uma audiência teoricamente preparada para qualquer surpresa.
Em uma curta e impressionante apresentação de 40 minutos, no qual tocaram duas músicas inéditas ainda em elaboração que estarão no próximo álbum, mostraram todos os elementos característicos que fazem parte de sua música.
Toda a excelência instrumental, o experimentalismo, a improvisação, e aquilo que os torna praticamente diferenciados no cenário progressivo brasileiro: interpretar as músicas já gravadas de forma diferente ao vivo. Este show foi marcado pela participação especial de Lelo Nazário, pela primeira vez ao vivo com o grupo em “Ambas Dúbias”.
Presente ao festival que estava cobrindo para a RST Rádio Rock, junto com o amigo Marcelo Moura, notei as reações diversas que a música do Protofonia produziu.
Várias pessoas se retiraram do local por simplesmente não compreender o que estavam presenciando, e os comentários diversos no mesmo dia e, principalmente no dia seguinte, variavam entre entusiastas (a maior parte de músicos) e depreciadores.
É triste constatar que uma parte da platéia de diversas gerações presente a um Festival de Música Progressiva e que, em sua maior parte certamente acompanhou a evolução deste movimento em seus mais de 50 anos de existência, ainda possa rejeitar uma musica tão criativa quanto a do Protofonia.
De qualquer forma foi a única apresentação que causou este misto de reações durante o festival, o que da maneira que interpreto, pode até ser um motivo de orgulho para o Protofonia.
No mês passado o Protofonia participou do ótimo programa Refrão onde gravaram uma excelente entrevista em 3 videos que podem conferir abaixo. Agradeço a André Chayb por ter me avisado a tempo de poder incluir este video no fechamento desta publicação, que com muita satisfação da minha parte, é a que inaugura oficialmente o Blog “Peculiar Prog”.
Alguns pensamentos de Chayb e Gurgel nos fazem antever o que virá em novos trabalhos: “Ao visualizar as formas de cada som em experiências de cimática, decidimos mudar a afinação dos instrumentos para 432 Hertz da nota Lá, ao invés dos convencionais 440 Hertz e pretendemos nos aprofundar ainda mais no estudo das frequências,dos harmônicos, dos ruídos e de como poderemos atingir as pessoas em níveis energéticos com a nossa musica, continuando a desenvolver nosso sotaque dentro da imensa linguagem da musica instrumental e, acima de tudo, alcançar a musica livre”.
Que me perdoem as pessoas que discordarem desta opinião: “Como é maravilhoso poder ouvir um magnifico trabalho musical vindo de uma cidade que abrigou um movimento musical tão cultuado que costumo denominar como “Rock Regressivo Brasileiro” e que interrompeu por vários anos uma evolução musical brasileira iniciada em fins de 60 e nos anos 70″.
Só tenho a agradecer ao PROTOFONIA pelo excelente trabalho e dizer que espero ansiosamente pelo próximo álbum.
LINKS EXTERNOS
Passagem de Som Com Protofonia
Protofonia em Pro(G)ject New Progressive Works
A Consciência do Átomo em Discogs
A Consciência do Átomo na Bandcamp
http://miniestereo.org/home/pt/loja/vinil/lp-vinil-protofonia-a-consciencia-do-atomo/
http://miniestereo.org/home/pt/project/protofonia-blavatskundum/
https://soundcloud.com/protofonia
Protofonia: Música livre, sem amarras estéticas e estilísticas