Em meu programa Momento Prog da RST sobre o Tau Ceti (link ao final da publicação para quem desejar ouvir ou baixar), realizado no dia 11/08/2019, evitei comentar sobre as minhas opiniões pessoais sobre o segundo álbum deixando isto ao encargo de José Eduardo D’Elboux, e me limitando a contar a historia, do que começou como uma banda e agora é um projeto pessoal. Esta resenha vem para complementar o Programa e por isto mesmo sugiro que o ouçam para uma melhor compreensão do que vou dizer aqui.
Pode-se dizer que o Tau Ceti possui uma conturbada historia e que poucos grupos Prog brasileiros conseguiam tocar em plena década de 90 e muito menos gravar um álbum e que isto em si já é algo arrojado e representativo historicamente. O primeiro álbum, assim como o segundo, foi quase na totalidade composto pelo tecladista de São Paulo, José Eduardo D’Elboux, um musico de formação erudita que teve como poucos a ousadia de enfrentar em inicio de carreira a partitura para piano de Quadros de uma Exposição de Mussorgsky após a ouvir sendo interpretada pelo ELP, sendo que Keith Emerson, é uma de suas maiores influencias no instrumento.
A meu ver D’Elboux possui uma sincera modéstia ao se descrever como um musico limitado e com certas dificuldades técnicas, se apresentando também como não profissional por exercer a engenharia. Algo que na minha opinião não deveria fazer! Eu explico: Conheço músicos profissionais do erudito que fogem desta partitura como o diabo foge da cruz. Há poucos pianistas no mundo que têm coragem de a tocar e principalmente gravar. E no mundo Prog são poucos os que possuem esta competência. O fato de não exercer a “profissão de musico” em si, não significa nada. Na verdade ele possui a técnica, o arrojo, a sensibilidade e a criatividade para criar um projeto musical de vulto como o apresentado em Tau Ceti “Meus Dois Mundos”.
Neste esplêndido álbum, que desde já pode ser considerado referencia mundial em se tratando deste tipo de projeto em musica progressiva, D’Elboux toca todos os teclados e executa toda a programação tendo sido auxiliado com maestria pelo musico Eduardo Aguillar que o gravou, mixou e masterizou no Laboratório Pedra Branca. A bela arte de capa é de outro musico, Paulo Rossglow Dantas, integrante do Trem do Futuro.
Tau Ceti “Meus Dois Mundos”, que esteve em gestação desde o ano 2000, possui a pretensão de juntar dois mundos muito importantes para o autor: o da musica erudita e o da musica progressiva. E atinge em cheio o seu objetivo e de maneira magistral ao incluir Prog Autoral unido à musica erudita de 3 fabulosos compositores em arranjos Prog. Há 4 pontes unindo estes mundos representados por três prelúdios para instrumentos de teclado e um para orquestra. Encerrando o álbum duas musicas retiradas do primeiro álbum, um prog e um erudito com novos arranjos.
Tau Ceti”Meus Dois Mundos” começa com uma peça curta, “Preludio Para Sintetizador”, uma abertura deliciosa que remete à Vangelis e Eddie Jobson, outra de suas grandes influencias. Prossegue com “DElbook Is On The Table”,um belo tema com ótimo desenvolvimento, excelente harmonia e ecos de Gentle Giant. Sempre há ótimas influências presentes no decorrer do álbum. A seguir temos “Boto” outra peça cuja harmonia curiosamente me lembrou “Aegian Sea” do Aphrodite”s Child emoldurando um tema que me remeteu à Blade Runner (o solo de sintetizador ao final poderia ser perfeitamente tocado por um sax). Novamente aqui ecos de Vangelis, reafirmando no entanto que apenas a atmosfera musical é semelhante e em um contexto totalmente diverso das citadas.
Ressalto que a percussão em todas as peças de Tau Ceti “Meus Dois Mundos” foge da artificialidade comum à gravações do tipo e são bem convincentes, mesmo tendo sido programadas, o que revela esmero em sua criação.
Prosseguimos com “Tempestades Noturnas” que realmente é uma Tempestade Musical, na qual conseguimos visualizar toda a intensidade de uma verdadeira, com ótimos timbres e solos de teclados. Uma musica curta e perfeita, que após terminar de maneira intensa dá lugar ao belo tema “Reflexões Ectoplasmáticas”, que começa suave com um piano e um sintetizador, que nos faz imaginar a presença de uma flauta, e se desenvolve apresentando solos e duelos de teclados executados com maestria e com timbres belíssimos e de extremo bom gosto. Sempre harmonizados pelo lindo piano. É possível sim ouvir nesta musica os estilos de diversos tecladistas. Prestem atenção nisto!
Começamos agora a travessia pela ponte que irá nos levar ao Mundo Erudito, o “Preludio Improviso Para Piano”, uma musica que me levou às lagrimas e que poderia ouvir durante horas na caminhada para este outro mundo por ser emocionante e por nos fazer refletir sobre o quanto é tênue esta barreira, ao nos apresentar a mundos diversos em sua sutileza e aparente simplicidade em alguns momentos, indo do erudito, ao jazz e a todos os elementos que representam a musica progressiva.
Após esta emocionante viagem pela ponte adentramos o portal da musica erudita onde somos apresentados de forma intensa e progressiva à 3 excepcionais compositores: Beethoven, Bruckner e Borodin. E aqui novamente gostaria de voltar ao tema do que é ser “profissional em musica”.
Foi a união da musica erudita e do jazz ao rock e aos elementos psicodélicos e folclóricos que deram origem à musica progressiva em seu já remoto passado por volta de 1967. Neste passado e prosseguindo até hoje vários grupos brilhantes liderados por excepcionais músicos apresentaram peças eruditas em um contexto Prog, mas nem sempre houve bons músicos e experiencias bem sucedidas. Há verdadeiros desastres também. Obras horrendas que nunca deveriam ter vindo à luz. Neste contexto positivo D’Elboux se destaca entre os gigantes do Prog como Keith Emerson,Rick Van der Linden, Rick Wakeman e Eddie Jobson.
Os arranjos para “Coriolano” de Beethoven, “Romântica” de Bruckner e “Épica” de Borodin impressionam pela competência deste grande “MUSICO”. Todo mundo sabe que por trás de uma grande orquestra tem que haver um grande maestro. E neste caso em particular D’Elboux se apresenta como um fabuloso maestro que soube conduzir 3 obras de difícil execução de forma soberba e sensível. Vejam a apresentação no DVD do Jethro Tull com Eddie Jobson que apresentou o final do mesmo tema de Bruckner e sintam a força do que estou dizendo. Não é qualquer maestro que consegue reger este compositor com o brilho e sensibilidade necessária, principalmente o tema final, e por isso mesmo existem poucas gravações desta obra no mundo erudito.
Tenho absoluta convicção que se estes compositores pudessem ouvir estas interpretações teriam uma reação semelhante à de Ginastera ao ouvir a Toccata executada pelo ELP. Ficou muito impressionado e escreveu até um comentário para o álbum. Assim são os grandes músicos quando reconhecem os seus iguais. Há respeito. Há admiração! Independente do gênero de musica que toquem. Não há lugar para arrogância no mundo da musica.
Dois curtos, belos e sensíveis, “Preludio para Orquestra” e “Preludio Para Órgão” compostos por D’Elboux se encontram em meio às peças deste Mundo Erudito, como um humilde tributo de DElboux à estes excepcionais e eternos compositores.
Encerrando este surpreendente Tau Ceti “Meus Dois Mundos” temos duas musicas bônus retiradas do Primeiro Álbum do Tau Ceti com novos arranjos: “Antares”,uma das mais belas do primeiro, que aqui renasce como uma estrela de ainda maior magnitude e a “Toccata de Bach”, mais vigorosa e melhor interpretada do que no álbum original e com um arranjo superior em qualidade.
No cenário progressivo brasileiro este é um álbum de destaque por sua originalidade, ousadia e criatividade e como tal deve ser divulgado por toda a comunidade progressiva brasileira.
Acredito que se José Eduardo D’Elboux e o seu Tau Ceti “Meus Dois Mundos” empreendessem uma viagem ao redor deste nosso mundo seriam ambos reconhecidos: Ele como um musico excepcional e “Meus Dois Mundos” como um dos melhores álbuns Prog já realizados dentro da concepção de unir o Erudito ao Prog.
Momento Prog 85 – Tau Ceti – Meus Dois Mundos
Texto minucioso, faixa a faixa e super cuidadoso. Os músicos ficam satisfeitos quando recebem críticas de qualidade que demonstram o conhecimento e audição profunda da obra. Grande abraço!
Agradeço Bruno. Tenho a dizer que ouvi muitas e muitas vezes a obra e com a atenção que ela merecia.. Ao ouvir desta forma coisas que nos escapam vêm a tona com maior transparência. O fator emocional influiu também,é claro. Todas as palavras no texto foram pronunciadas com extrema sinceridade. Forte abraço.
Que beleza de texto e material. O prog e a música erudita caminham lado a lado desde tempos imemoriais. Parabens ao Tau Ceti pela música e ao Vinicio por reportá-la.
Muito obrigado André por ter apreciado a obra e a resenha e tambem por te-la compartilhado em sua página do Facebook.
Muito obrigado pelos comentários, Bruno e André!! Lisongeado!!! D’Elboux
Fico muito contente por ter esse trabalho elogiado por alguém de tanto conhecimento do universo progressivo, lisongeado mesmo, com a análise detalhada e de tanta compreensão de minhas idéias, muito obrigado Vinício!!
D’Elboux
Salve meu amigo. Me sinto honrado por ter ido de encontro às suas idéias em meus comentários sobre a obra. Novas apreciações, mesmo que negativas e críticas serão sempre bem vindas no intuito de uma melhora em nossos trabalhos, sem duvida confirmarão o valor deste álbum maravilhoso. Já sinto isto em comentários nas redes de maneira favorável e percebo serem sinceros e não apenas fruto de amizade. Agora é continuar e seguir em frente. Que tal já começar a pensar em um novo projeto? Forte abraço!